Nome
Completo
René Descartes
Quem foi
Descartes
foi um importante filósofo, matemático e físico francês do século XVII.
Também fez estudos nas áreas da Epistemologia e Metafísica. Descartes é
considerado o pioneiro no pensamento filosófico moderno.
Nascimento
Descartes nasceu
na cidade de La Haye (França) em 31 de março de 1596.
Morte
Descartes morreu
na cidade de Estocolmo (Suécia) em 11 de fevereiro de 1650.
Principais
realizações
- Sugeriu
a união entre os estudos da Álgebra e Geometria, criando a Geometria Analítica.
- Desenvolveu o
Sistema de Coordenadas, também conhecido como Plano Cartesiano.
- Desenvolveu o
Método Cartesiano no qual defende que só se deve considerar algo como
verdadeiramente existente, caso possa ser comprovada sua existência. Também
conhecido como Ceticismo Metodológico, segue o princípio de que devemos duvidar
de todos conhecimentos que não possuem explicações evidentes. Este método
também se baseia na realização de quatro tarefas: verificar, analisar,
sintetizar e enumerar.
Principais
obras
- Regras
para a direção do espírito (1628)
- Discurso sobre
o método (1637)
- Geometria
(1637)
-
Meditações Metafísicas (1641)
Frases
- "Penso,
logo existo"
- "É
preferível ter os olhos fechados, sem nunca tentar abri-los, do que viver sem
filosofar"
- "A
razão e o juízo são as únicas coisas que diferenciam os homens dos animais".
- "
Daria tudo que sei em troca da metade de tudo que ignoro".
As principais contribuições de
Descartes à tradição epistemológica moderna se encontram na adoção da questão
da fundamentação da ciência como problema central, dando ênfase à discussão da
metodologia científica, bem como em sua geometria algébrica, que abre caminho
para a matematização da natureza. A estas se acrescenta sua contribuição no
campo da psicologia, pelo desenvolvimento do método introspeccionista, por sua
análise da subjetividade e da consciência, e por suas discussões sobre a
natureza da mente e de nossos estados mentais.
Cogito ergo sum. "Penso, logo existo". Tal proposição resume o espírito de René Descartes (1596-1650), sábio francês cujo Discurso do Método inaugurou a filosofia moderna. Em 1637, em uma época em que a força da razão tal qual a conhecemos era muito mais do que incipiente, e em que textos filosóficos eram escritos em latim, voltados apenas para os doutores, Descartes publicou Discurso do Método, redigido em língua vulgar, isto é, o francês. Ele defendia o "uso público" da razão e escreveu o ensaio pensando em uma audiência ampla. Queria que a razão - este privilégio único dos seres humanos - fosse exatamente isso, um privilégio de todos homens dotados de senso comum.
Trata-se de um manual da razão, um prático "modo de usar". Moderno, Descartes postulava a idéia de que a razão deveria permear todos os domínios da vida humana e que a apreciação racional era parâmetro para todas as coisas, numa atividade libertadora, voltada contra qualquer dogmatismo. Evidentemente, tal premissa revolucionária lhe causaria problemas, sobretudo no âmbito da igreja: em 1663, vários de seus livros foram colocados no Índex. Razão alegada: a aplicação de exercícios metafísicos em assuntos religiosos.
A forma discursiva utilizada por Descartes é a narrativa autobiográfica. O Discurso do Método não é um tratado científico, tampouco um manual pedagógico: “Assim, o meu desígnio não é ensinar aqui o método que cada qual deve seguir para bem conduzir sua razão, mas apenas mostrar de que maneira me esforcei por conduzir a minha.” Continua ainda: “Mas, não propondo este escrito senão como uma história, ou se o preferirdes, como uma fábula...” O filósofo francês não visa a impor uma doutrina; ele declara sua intenção de mostrar sua insatisfação e os caminhos que percorreu para solucionar seus questionamentos. Para isso, ele conta a história de sua vida pessoal, da metafísica, da física e do método científico. Descartes deseja mostrar o método que ele escolheu, sua exposição não é um modelo, mas uma autobiografia intelectual: uma narrativa de eventos passados em que um indivíduo relata sua reforma nos hábitos de racionalizar e perceber o universo físico.
Cogito ergo sum. "Penso, logo existo". Tal proposição resume o espírito de René Descartes (1596-1650), sábio francês cujo Discurso do Método inaugurou a filosofia moderna. Em 1637, em uma época em que a força da razão tal qual a conhecemos era muito mais do que incipiente, e em que textos filosóficos eram escritos em latim, voltados apenas para os doutores, Descartes publicou Discurso do Método, redigido em língua vulgar, isto é, o francês. Ele defendia o "uso público" da razão e escreveu o ensaio pensando em uma audiência ampla. Queria que a razão - este privilégio único dos seres humanos - fosse exatamente isso, um privilégio de todos homens dotados de senso comum.
Trata-se de um manual da razão, um prático "modo de usar". Moderno, Descartes postulava a idéia de que a razão deveria permear todos os domínios da vida humana e que a apreciação racional era parâmetro para todas as coisas, numa atividade libertadora, voltada contra qualquer dogmatismo. Evidentemente, tal premissa revolucionária lhe causaria problemas, sobretudo no âmbito da igreja: em 1663, vários de seus livros foram colocados no Índex. Razão alegada: a aplicação de exercícios metafísicos em assuntos religiosos.
A forma discursiva utilizada por Descartes é a narrativa autobiográfica. O Discurso do Método não é um tratado científico, tampouco um manual pedagógico: “Assim, o meu desígnio não é ensinar aqui o método que cada qual deve seguir para bem conduzir sua razão, mas apenas mostrar de que maneira me esforcei por conduzir a minha.” Continua ainda: “Mas, não propondo este escrito senão como uma história, ou se o preferirdes, como uma fábula...” O filósofo francês não visa a impor uma doutrina; ele declara sua intenção de mostrar sua insatisfação e os caminhos que percorreu para solucionar seus questionamentos. Para isso, ele conta a história de sua vida pessoal, da metafísica, da física e do método científico. Descartes deseja mostrar o método que ele escolheu, sua exposição não é um modelo, mas uma autobiografia intelectual: uma narrativa de eventos passados em que um indivíduo relata sua reforma nos hábitos de racionalizar e perceber o universo físico.
A narrativa procura demonstrar a história de um indivíduo desejoso
de evitar a ilusão. Para isso, eventos são escolhidos e organizados, a
experiência pessoal é apresentada e serve de base para apresentar uma
possibilidade de vitória sobre a incerteza. Duas técnicas narrativas são
utilizadas: a representação e a narração.
A primeira técnica diz
respeito a condução do processo narrativo. Descartes leva o leitor a
uma participação da experiência do eu-narrador; o filósofo o faz
acompanhar sua história passo a passo, mostrando suas indagações,
receios, fatos significativos, proposições, enfim, sua vida.
A
segunda relaciona-se, principalmente, com o próprio fato de que há um
reconhecimento do caráter narrativo do texto, uma consciência de que o
filósofo é um narrador que relata uma série de eventos a um leitor.
O texto conjuga a narração e o discurso direto, a narrativa e a proposição, a dúvida e a elaboração da verdade.
Discurso do Método
mostra por que Descartes - para quem "mente", "espírito", "alma" e
"razão" significavam a mesma coisa - marcou indelevelmente a história do
pensamento.
Em seu livro, René Descartes, aborda a maneira de se
obter, perante a vida, maiores conhecimentos. Descartes buscava na
verdade, provar a existência de Deus através da ciência, através da
razão. Para provar isso, este filósofo utilizou um método que vinha
desenvolvendo há algum tempo, baseado em evidências, em ideias claras e
distintas e em recusar-se a utilizar-se de qualquer coisa sem estar
coberto de certeza.
Ainda no Discurso do Método, o autor destaca os motivos
pelos quais chegou a tais conclusões, relatando sua vida e toda sua
formação. Descartes faz severas críticas ao ensino nas escolas, podemos
aqui destacar seu desencanto, desde os tempo de colégio, com a “ciência
oficial” da época, considerando a mesma estagnada em volta dos
pensamentos dos antigos filósofos.
Este filósofo sugeriu alguns
elementos fundamentais para o conhecimento. Destaca então, as viagens, a
procura em si mesmo e a leitura de bons livros. Para obter maiores
conhecimentos, num primeiro momento citou que é fundamental
desvencilhar-se de exemplos e costumes que formaram a base para o
conhecimento atual, no Discurso do Método ele diz: pouco a pouco, livrei-me de muitos erros que podem ofuscar a nossa luz natural e nos tornar menos capazes de ouvir a razão.
O texto mais famoso de Descartes, Discurso do Método,
além de uma sumária exposição do método, ou das principais regras do
método é, também, uma autobiografia de Descartes. Nesse texto não nos
diz como devemos proceder para alcançar a verdade, mas como ele,
Descartes, procedeu para alcançá-la.
Esse discurso está dividido em seis partes:
Primeira parte - Encontra-se
diversas considerações atinentes às ciências. Nesta parte do Discurso,
Descartes fez um balanço, um inventário de seu débito com o colégio e os
professores, bem como com os livros que teve oportunidade de ler. Feito
esse balanço, esse inventário crítico, especialmente em relação à
teologia, à filosofia, à história e às ciências fundadas na filosofia,
Descartes liberta-se dos preceptores, abandona o estudo das letras e
passa a procurar apenas a ciência que poderia encontrar nele mesmo ou no
grande livro do mundo.
Segunda parte - Nesta
parte estão as principais regras do método. Fica patente a prevenção, a
desconfiança, em relação a tudo o que nos foi ensinado e que aprendemos à
nossa revelia, antes de dispor do pleno uso de nossa razão. Suposição
que já revela a essência do cartesianismo, a crença em uma razão
intemporal, que seria possível restaurar em sua pureza e integridade,
desde que dela fosse excluído tudo o que se deve ao ensino, à leitura, à
educação. Confiando apenas na razão, na sua razão, individual e
intemporal, Descartes acrescenta que, em relação a todas as opiniões que
até então admitira o melhor que podia fazer era rejeitá-las, embora
viesse a readmiti-las posteriormente, ou outras melhores, ou as mesmas,
desde que "ajustadas ao nível da razão".
Descartes foi levado a
verificar que "o costume e o exemplo nos persuadem mais do que um
conhecimento certo". Método, como o leitor deve saber, significa,
etimologicamente, caminho. Seguir um método corresponde, pois, a
caminhar em direção determinada, quer dizer, com a consciência do fim a
que se quer chegar.
Com tais preocupações procurou um método que,
incluindo as vantagens da lógica, da geometria e da álgebra, evitasse,
ao mesmo tempo, os seus inconvenientes. Formula, então, as famosas
quatro regras fundamentais, que deverão desdobrar-se e multiplicar-se
nas Regras para a direção do Engenho.
Primeira regra: evitar a
prevenção e a precipitação, só aceitando como verdadeiras as coisas
conhecidas de modo evidente como tais e não admitir no juízo senão o que
se apresentasse clara e distintamente, excluindo qualquer dúvida.
Segunda regra: dividir cada dificuldade em tantas parcelas quanto seja possível e quantas sejam necessárias para resolvê-las.
Terceira: Conduzir em ordem os pensamentos, começando pelos mais
simples e mais fáceis de conhecer, a fim de ascender, pouco a pouco, por
degraus, até o conhecimento dos mais compostos, supondo uma ordem mesmo
entre aqueles que não precedem naturalmente uns aos outros.
Quarta: fazer sempre inventários tão completos e revistas tão gerais que se fique certo de nada ter omitido.
Aqui ele constitui o preceito metodológico básico – é que só se
considere verdadeiro o que for evidente, ou seja, o que for intuível com
clareza e precisão. Mas a ampliação da área do conhecimento nem sempre
oferece um panorama permeável à intuição, e, consequentemente, adequado à
pronta aplicação do preceito da evidência. Eis por que Descartes propõe
outros preceitos metodológicos complementares ou preparatórios da
evidência: o preceito da análise (dividir cada uma das dificuldades que
se apresentem em tantas parcelas quantas sejam necessárias para serem
resolvidas), o da síntese (conduzir com ordem os pensamentos, começando
dos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para depois
tentar gradativamente o conhecimento dos mais complexos) e o do
enumeração (realizar enumerações de modo a verificar que nada foi
omitido). Tais preceitos representam a submissão a exigências
estritamente racionais. E justamente o que Descartes prescreve como
recurso para a construção da ciência e também para a sabedoria de vida é
seguir os imperativos da razão, que, a exemplo de sua manifestação
matemática, opera por intuições e por análises.
Na primeira
regra, está enunciado o que, para Descartes, é o critério da verdade, a
clareza e a distinção das ideias. Essa expressão é repetida ao longo de
toda obra de Descartes, como uma das teses fundamentais de sua teoria do
conhecimento.
A razão cartesiana é a matemática que, no plano do
pensamento, e sem sair do pensamento, extrai, ou deduz, as ideias umas
das outras, com a certeza de que, sendo essas ideias claras e distintas e
achando-se dispostas em ordem contínua e ininterrupta, devem
necessariamente corresponder à ordem em que se acham dispostas as
próprias coisas.
Ainda na Segunda parte do discurso, Descartes
nos diz que, de todos os que procuraram a verdade científica, só os
matemáticos encontraram a verdade científica, só os matemáticos
encontraram, ou formularam, algumas demonstrações, ou seja, conseguiram
demonstrar alguma coisa, com razões certas e evidentes.
Terceira parte - Nesta
parte estão algumas das regras da Moral que tirou desse método.
Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como
uma via para se chegar à certeza e não é dúvida sistemática, sem outro
fim que o próprio duvidar, como para os céticos. Argumenta que tais
ideias em geral são incertas e instáveis, sujeitas à imperfeição dos
sentidos. Algumas, porém, se apresentam ao espírito com nitidez e
estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma maneira,
independentes das experiências dos sentidos, e isto significa que
residem na mente de todas as pessoas e são inatas.
Na Terceira
parte acham-se formuladas as máximas fundamentais do que Descartes
chamou de "moral provisória", pois a moral que se poderia chamar de
definitiva, jamais foi enunciada de forma sistemática, achando-se
dispersa no texto sobre "As paixões da alma". São as seguintes máximas
dessa moral provisória: primeira – "...obedecer às leis e aos costumes
do meu país, conservando constantemente a religião na qual Deus me deu
graça de ser instituído desde a infância...". A Segunda máxima recomenda
ser firme e resoluto quanto pudesse e não estando em nosso poder
discernir as opiniões mais verdadeiras, devemos seguir as mais
prováveis. A terceira máxima, aconselha a procurar vencer-se sempre e
não a fortuna, a mudar nossos desejos e não a ordem do mundo,
acostumando-se de modo geral, a acreditar que só os pensamentos estão em
nosso poder. A Quarta máxima aconselhava a fazer o inventário, o
balanço das ocupações dos homens a fim de escolher a melhor.
Quarta parte - Aqui
estão as razões pelas quais prova a existência de Deus e da alma
humana, que são o fundamento de sua metafísica. Na Quarta parte do
discurso, que é um resumo das Meditações Metafísicas, Descartes pretende
provar a existência de Deus e da alma humana, estabelecendo, com essas
provas, os fundamentos de sua metafísica. No primeiro parágrafo desse
texto, o filósofo nos diz o seguinte: "Julguei necessário fazer o
contrário (do que fiz em relação a moral) e rejeitar, como absolutamente
falso, tudo o que pudesse ser objeto da menor dúvida, a fim de
verificar se, depois disso, não me restava, em minha certeza, alguma
coisa totalmente indubitável" Observa em seguida, que os sentidos nos
enganam e nos fazem perceber coisas, não como realmente são, mas como
nos parecem ser.
Mas, diz então Descartes, "ao pensar que tudo
era falso, era necessário que, eu que pensava, fosse alguma coisa; e
observando que essa verdade: "Penso, logo existo" era tão firme e tão
certa, que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não eram
capazes de abalá-la, julguei que poderia recebê-la como o primeiro
princípio da filosofia que eu procurava".
Descartes ficou
sabendo, assim, que era "uma substância cuja essência, ou natureza,
consiste em pensar" e que "para ser, não precisa de lugar algum, nem
depende de coisa alguma material". Em consequencia, o eu, a alma, que
permite ao filósofo ser o que é, um pensador, é inteiramente distinta do
corpo, cujo conhecimento é mais fácil que o do corpo, pois mesmo que
deixasse de existir, a alma não deixaria de ser o que é.
Conclui,
então, que, assim como o mais perfeito não pode ser consequencia do
menos perfeito, e, nada poder provir, tal ideia, do ser perfeito, ou da
perfeição do ser, só pode ter sido posta em nós por uma natureza mais
perfeita do que a nossa, e que inclui todas as perfeições, quer dizer,
Deus. Em consequencia, conclui: "...é para mim tão certo que Deus, que é
esse ser perfeito, é ou existe, quão certa poderia ser qualquer
demonstração da geometria."
A regra, de acordo com a qual as coisas concebidas clara e
distintamente são todas verdadeiras, só pode ser garantida pela
existência de Deus, ser perfeito, do qual recebemos tudo o que se acha
em nós.
Quinta parte - Nesta parte está a ordem
das questões de física que investigou, e, particularmente, a explicação
do movimento do coração e algumas outras dificuldades que concernem à
Medicina, e depois, também a diferença que há entre nossa alma e a dos
animais. E, na última, que coisas crê necessárias para ir mais adiante
do que foi na pesquisa da natureza e que razões o levaram a escrever.
Na Quinta parte do discurso, Descartes faz um resumo de sua física
deduzida de sua metafísica. Após reiterar a tese da independência da
alma em relação ao corpo, pois sua natureza consiste no pensamento, e
supondo que Deus a tenha criado, acrescentando-a ao corpo, Descartes, em
várias páginas do texto, faz uma minuciosa descrição do coração e da
circulação do sangue no corpo humano.
Sexta parte - Esta última parte do Discurso trata de vários assuntos.
Um aspecto importante na filosofia de Descartes é sua concepção de
homem em dualidade corpo-espírito. O universo consiste de duas
diferentes substâncias: as mentes, ou substância pensante, e a matéria, a
última sendo basicamente quantitativa, teoreticamente explicável em
leis científicas e fórmulas matemáticas.
Enfim, o importante e o
que constitui o preceito metodológico básico apontado no Discurso do
Método é que só se considere verdadeiro o que for evidente, ou seja, o
que for intuível com clareza e precisão
MEDITAÇÕES METAFÍSICAS
Das coisas que se podem colocar
em dúvida O texto que se segue apresenta a estratégia de Descartes de refutação
do ceticismo, interpretado como a negação da possibilidade do conhecimento. Seu
ponto de partida consiste em adotar a posição cética, radicalizando-a e
levando-a às suas últimas consequências para então mostrar que é de uma posição
insustentável. Trata-se assim de uma refutação por absurdo, isto é, buscando
mostrar que a posição do adversário leva ao absurdo. Descartes assume
inicialmente as teses centrais do ceticismo, inspirando-se em alguns filósofos
da época que haviam retomado a tradição cética grega. Os argumentos que formula
são em grande parte derivados de textos dos antigos céticos e de seus
seguidores modernos, possivelmente filósofos do século XVI como Francisco
Sanchez e Michel de Montaigne. Encontramos aí o questionamento dos sentidos
como fonte confiável de conhecimento, o argumento do sonho e da ilusão, que coloca
em dúvida nossas impressões sensíveis porque quando sonhamos ou nos iludimos
elas parecem verdadeiras, e, finalmente, o que se pode considerar a
contribuição de Descartes à argumentação cética, a dúvida hiperbólica, ou
exagerada: o argumento do Deus enganador. Descartes imagina um ser todo
poderoso que interfere sistematicamente em nosso processo de conhecimento de
tal forma que não possamos ter certeza de nada.
1. á já algum tempo eu me
apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões
como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundamentei em princípios tão
mal assegurados não podia ser senão muito duvidoso e incerto; de modo que me
era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas
as opiniões a que até então dera crédito,e começar tudo novamente desde os
fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e deconstante nas ciências.
Mas, parecendo-me ser muito grande essa empresa, aguardei atingir uma idade que
fosse tão madura que não pudesse esperar outra após ela, na qual eu estivesse
mais apto para executá-la; o que me fez adiá-la por tão longo tempo que
doravante acreditaria cometer uma falta se empregasse ainda em deliberar o
tempo que me resta para agir.
2. Agora, pois, que meu espírito
está livre de todos os cuidados, e que consegui um repouso assegurado numa
pacífica solidão, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade em destruir em geral
todas as minhas antigas opiniões. Ora, não será necessário, para alcançar esse
desígnio, provar que todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo;
mas, uma vez que a razão já me persuade de que não devo menos cuidadosamente
impedir-me de dar crédito às coisas que não são inteiramente certas e
indubitáveis do que às que nos parecem manifestamente ser falsas, o menor
motivo de dúvida que eu nelas encontrar bastará para me levar a rejeitar todas.
E, para isso, não é necessário que examine cada uma em particular, o que seria
um trabalho infinito; mas, visto que a ruína dos alicerces carrega necessariamente
consigo todo o resto do edifício, dedicar-me-ei inicialmente aos princípios
sobre os quais todas as minhas antigas opiniões estavam apoiadas.
3. Tudo o que recebi, até
presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos
sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e
é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez.
4. Mas, ainda que os sentidos nos
enganem às vezes, no que se refere às coisas pouco sensíveis e muito distantes,
encontramos talvez muitas outras, das quais não se pode razoavelmente duvidar,
embora as conhecêssemos por intermédio deles: por exemplo, que eu esteja aqui,
sentado junto ao fogo, vestido com um chambre, tendo este papel entre as mãos e
outras coisas desta natureza. E como poderia eu negar que estas mãos e este
corpo sejam meus? A não ser talvez que eu me compare a esses insensatos, cujo
cérebro está de tal modo perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile que
constantemente asseguram que são reis quando são muito pobres; que estão
vestidos de ouro e de púrpura quando estão inteiramente nus; ou imaginam ser
cântaros ou ter um corpo de vidro. Mas quê? São loucos e eu não seria menos
extravagante se me guiasse por seus exemplos.
5. Todavia, devo aqui considerar
que sou homem e, por conseguinte, que tenho o costume de dormir e de
representar, em meus sonhos, as mesmas coisas, ou algumas vezes menos
verossímeis, que esses insensatos em vigília. Quantas vezes ocorreu-me sonhar,
durante a noite, que estava neste lugar, que estava vestido, que estava junto
ao fogo, embora estivesse inteiramente nu dentro de meu leito? Parece-me agora
que não é com olhos adormecidos que contemplo este papel; que esta cabeça que eu
mexo não está dormente; que é com desígnio e propósito deliberado que estendo
esta mão e que a sinto: o que ocorre no sono não parece ser tão claro nem tão
distinto quanto tudo isso.
Mas, pensando cuidadosamente
nisso, lembro-me de ter sido muitas vezes enganado, quando dormia, por
semelhantes ilusões. E, detendo-me neste pensamento, vejo tão manifestamente
que não há quaisquer indícios concludentes, nem marcas assaz certas, por onde
se possa distinguir nitidamente a vigília do sono, que me sinto inteiramente
pasmado: e meu pasmo é tal que é quase capaz de me persuadir de que estou
dormindo.
6. Suponhamos, pois, agora, que
estamos adormecidos e que todas essas particularidades, a saber,que abrimos os
olhos, que mexemos a cabeça, que estendemos as mãos, e coisas semelhantes,
não passam de falsas ilusões; e pensemos que talvez nossas mãos, assim como todo
o nosso corpo, não são tais como os vemos. Todavia, é preciso ao menos
confessar que as coisas que nos são representadas durante o sono são como
quadros e pinturas, que não podem ser formados senão à semelhança de algo real
e verdadeiro; e que assim, pelo menos, essas coisas gerais, a saber, olhos,
cabeça, mãos e todo o resto do corpo, não são coisas imaginárias, mas
verdadeiras e existentes.
Pois, na verdade, os pintores,
mesmo quando se empenham com o maior artifício em representar sereias e sátiros
por formas estranhas e extraordinárias, não lhes podem, todavia, atribuir
formas e naturezas inteiramente novas, mas apenas fazem certa mistura e
composição dos membros de
diversos animais; ou então, se porventura
sua imaginação for assaz extravagante para inventar algo de tão novo, que
jamais tenhamos visto coisa semelhante, e que assim sua obra nos represente uma
coisa puramente fictícia e absolutamente falsa, certamente ao menos as cores
com que eles a compõem devem ser verdadeiras. […]
9. Todavia, há muito que tenho no
meu espírito certa opinião de que há um Deus que tudo pode e por quem fui
criado e produzido tal como sou. Ora, quem me poderá assegurar que esse Deus
não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo
extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar e que, não obstante, eu
tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo isso não me pareça
existir de maneira diferente daquela que eu vejo? E, mesmo, como julgo que
algumas vezes os outros se enganam até nas coisas que eles acreditam saber com
maior certeza, pode ocorrer que Deus tenha desejado que eu me engane todas as
vezes em que faço a adição de dois mais três, ou em que enumero os lados de um
quadrado, ou em que julgo alguma coisa ainda mais fácil, se é que se pode
imaginar algo mais fácil do que isso. Mas pode ser que Deus não tenha querido
que eu seja decepcionado desta maneira, pois ele é considerado soberanamente
bom. Todavia, se repugnasse à sua bondade fazer-me de tal modo que eu me
enganasse sempre, pareceria também ser-lhe contrário permitir que eu me engane
algumas vezes e, no entanto, não posso duvidar de que ele me permita.
10. Haverá talvez aqui pessoas
que preferirão negar a existência de um Deus tão poderoso a acreditar que todas
as outras coisas são incertas. Mas não lhes resistamos no momento e suponhamos,
em favor delas, que tudo quanto aqui é dito de um Deus seja uma fábula.
Todavia, de qualquer maneira que suponham ter eu chegado ao estado e ao ser que
possuo, quer o atribuam a algum destino ou fatalidade, quer o refiram ao acaso,
quer queiram que isto ocorra por uma contínua série e conexão das coisas, é
certo que, já que falhar e enganar-se é uma espécie de imperfeição, quanto
menos poderoso for o autor a que atribuírem minha origem, tanto mais será
provável que eu seja de tal modo imperfeito que me engane sempre. Razões às
quais nada tenho a responder, mas sou obrigado a confessar que, de todas as
opiniões que recebi outrora em minha crença como verdadeiras, não há nenhuma da
qual não possa duvidar atualmente, não por alguma inconsideração ou leviandade,
mas por razões muito fortes e maduramente consideradas: de sorte que é
necessário que interrompa e suspenda doravante meu juízo sobre tais
pensamentos, e que não mais lhes dê crédito, como faria com as coisas que me
parecem evidentemente falsas, se desejo encontrar algo de constante e de seguro
nas ciências. […]
12. Suporei, pois, que há não um
verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio maligno,
não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda a
suaindústria em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as
figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos
de que ele se serve para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim
mesmo absolutamente desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue,
desprovido de quaisquer sentidos, mas dotado da falsa crença de ter todas essas
coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e se, por esse
meio, não está em meu poder chegar ao conhecimento de qualquer verdade, ao
menos está ao meu alcance suspender meu juízo. Eis por que cuidarei zelosamente
de não receber em minha crença nenhuma falsidade, e prepararei tão bem meu
espírito a todos os ardis desse grande enganador que, por poderoso e ardiloso
que seja, nunca poderá impor-me algo.
MEDITAÇÕES METAFÍSICAS
O argumento do cogito - O
argumento do cogito é a saída de Descartes para o impasse ao qual o argumento
do Deus enganador, visto na passagem anterior, o levara. Se a existência do
Deus enganador nos leva a colocar tudo em dúvida, já que não podemos ter
certeza de nada, então tudo que nos resta é precisamente a dúvida. Ora, a
dúvida é uma forma de pensamento, portanto duvidar é pensar. Isso mostra que a
existência do pensamento não pode ser colocada em dúvida, já que duvidar é
pensar. Mas, se há o pensamento, há o ser pensante. Este é o sentido
fundamental da famosa fórmula “Penso, logo existo” (Discurso do método, IV) ou
melhor, “Penso, existo”, como encontramos no texto. A existência do ser
pensante é assim, para Descartes, a primeira certeza, a certeza indubitável,
uma evidência que resiste a qualquer dúvida cética, até mesmo à mais radical, o
argumento do Deus enganador. Contudo, o argumento do cogito apenas prova a
existência do ser pensante, que se caracteriza como puro pensamento e não
estabelece nenhuma certeza sobre o mundo exterior, sobre o mundo natural,
objeto do conhecimento científico pretendido por Descartes e motivo da
discussão cética. O ceticismo encontrado na argumentação de Descartes é, por
isso mesmo, conhecido como “ceticismo sobre o mundo exterior”, já que formula
uma dicotomia entre o mundo interior, a subjetividade, a realidade do ser
pensante e o mundo natural, cuja existência permanece em dúvida. No
desenvolvimento das Meditações Descartes procurará superar esta dúvida e
encontrar um caminho para o mundo exterior.
1. A Meditação que fiz ontem
encheu-me o espírito de tantas dúvidas, que doravante não está mais em meu
alcance esquecê-las. E, no entanto, não vejo de que maneira poderia
resolvê-las; e, como se de súbito tivesse caído em águas muito profundas, estou
de tal modo surpreso que não posso nem firmar meus pés no fundo, nem nadar para
me manter à tona. Esforçar-me-ei, não obstante, e seguirei novamente a mesma
via que trilhei ontem, afastando-me de tudo em que poderia imaginar a menor
dúvida, da mesma maneira como se eu soubesse que isto fosse absolutamente
falso; e continuarei sempre nesse caminho até que tenha encontrado algo de
certo, ou, pelo menos, se outra coisa não me for possível, até que tenha
aprendido certamente que não há nada no mundo de certo.
2. Arquimedes, para tirar o globo
terrestre de seu lugar e transportá-lo para outra parte, não pedia nada mais
exceto um ponto que fosse fixo e seguro. Assim, terei o direito de conceber
altas esperanças, se for bastante feliz para encontrar somente uma coisa que
seja certa e indubitável.
3. Suponho, portanto, que todas
as coisas que vejo são falsas; persuado-me de que nada jamais existiu de tudo quanto minha
memória repleta de mentiras me representa; penso não possuir nenhumsentido;
creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar são apenas
ficções de meu espírito. O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez
nenhuma outra coisa a não ser que nada há no mundo de certo.
4. Mas que sei eu, se não há
nenhuma outra coisa diferente das que acabo de julgar incertas, da qual não se
possa ter a menor dúvida? Não haverá algum Deus, ou alguma outra potência, que
me ponha no espírito tais pensamentos? Isso não é necessário; pois talvez seja
eu capaz de produzi-los por mim mesmo. Eu então, pelo menos, não serei alguma
coisa? Mas já neguei que tivesse qualquer sentido ou qualquer corpo. Hesito no
entanto, pois que se segue daí? Serei de tal modo dependente do corpo e dos
sentidos que não possa existir sem eles? Mas eu me persuadi de que nada existia
no mundo, que não havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos
alguns; não me persuadi também, portanto, de que eu não existia? Certamente
não, eu existia sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma
coisa. Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega
toda a sua indústria em enganar-me sempre. Não há pois dúvida alguma de que
sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer com
que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter
pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas,
cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu
existo, é necessariamente verdadeira, todas as vezes que a enuncio ou que a
concebo em meu espírito.
DISCURSO DO MÉTODO
A formação do filósofo - Embora
consistindo de uma introdução a três tratados científicos, a Dióptrica, os
Meteoros e a Geometria, o texto do Discurso do método tem, inicialmente, um
caráter fortemente autobiográfico. Descartes analisa sua formação, questionando
a educação tradicional que recebera e defendendo a necessidade de rompermos com
o saber adquirido, que naquele momento incluía ainda as teorias escolásticas e
a ciência antiga, para pensarmos por nós mesmos. Argumenta em favor da
valorização da experiência, mostrando, no entanto, ser necessário que esta seja
sempre acompanhada da reflexão, ou seja, de um exame daquilo que a experiência
nos revela, avaliando seu sentido e sua validade. O bom senso é a coisa mais
comum do mundo: pois cada um pensa ser tão bem provido disso que mesmo os mais
difíceis de contentar em tudo o mais não costumam absolutamente desejar mais
bom senso do que têm. No que não é verossímil que todos seenganem; antes, isso
demonstra que o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, que é
propriamente o que se chama bom senso ou razão, é naturalmente igual em todos
os homens; e, assim, que a diversidade de opiniões não decorre de serem alguns
mais racionais que outros, mas unicamente do fato de conduzirmos nossos
pensamentos por diversas vias e não considerarmos as mesmas coisas. Porque não
basta ter um bom espírito, o principal é aplicá-lo bem. As maiores almas são
capazes dos maiores vícios, assim como das maiores virtudes; e aqueles que só
andam bem lentamente podem avançar muito mais, se seguirem sempre o caminho
certo, que aqueles que correm e dele se desviam.
Quanto a mim, nunca supus que meu
espírito fosse em nada mais perfeito que o comum; muitas vezes até desejei ter
o pensamento tão ágil, a imaginação tão clara e nítida ou a memória tão vasta e
atual quanto alguns outros. E não sei de nenhuma qualidade além dessas que
sirva à perfeição do espírito: pois quanto à razão ou senso, uma vez que é a
única coisa que nos torna homens e nos distingue dos animais, quero crer que exista
inteiramente em cada um e seguir nisso a opinião comum dos filósofos, que dizem
que só há mais ou menos entre acidentes e de modo algum entre as formas ou
naturezas dos indivíduos de uma mesma espécie. Mas não temo dizer que creio ter
tido muita felicidade de me haver encontrado desde a juventude em certos
caminhos que me conduziram a considerações e máximas com as quais criei um
método
através do qual parece que tenho
o meio de aumentar gradualmente meu conhecimento e elevá-lo pouco a pouco ao
mais alto nível que a mediocridade do meu espírito e a curta duração da minha vida
poderão lhe permitir atingir. […] Nutriram-me nas letras desde a infância e,
por me haverem persuadido de que por meio delas se poderia adquirir um
conhecimento claro e seguro de tudo o que é útil à vida, tinha um desejo extremo
de aprendê-las. Mas logo que acabei todo esse curso de estudos, ao fim do qual
é costume ser recebido na categoria dos doutos, mudei inteiramente de opinião.
Pois me achava tão embaraçado com dúvidas e erros que me pareceu não ter feito
mais, ao tratar de me instruir, que descobrir cada vez mais minha ignorância. E
no entanto estivera numa das mais famosas escolas da Europa, onde pensava que
deviam existir sábios, se é que existiam em algum lugar da terra. Havia aprendido
ali tudo o que os outros aprendiam e, não me contentando com as ciências que
nos ensinavam, tinha mesmo percorrido todos os livros que me puderam cair nas
mãos sobre aquelas consideradas as mais curiosas e raras. Ademais, sabia o
juízo que os outros faziam de mim e não achava absolutamente que me
considerassem inferior a meus condiscípulos, embora já houvesse entre eles
alguns destinados a ocupar o lugar de nossos mestres. E afinal nosso século me
parecia tão florescente e tão fértil de bons espíritos quanto nenhum dos precedentes…
O que me fez tomar a liberdade de julgar por mim todos os outros e pensar que
não havia doutrina no mundo que fosse tal como me levaram anteriormente a
desejar. […] Nada direi da filosofia exceto que, vendo que foi cultivada pelos mais
excelentes espíritos desde muitos séculos e que mesmo assim ainda não existe aí
coisa alguma que não se questione e que não seja por conseguinte duvidosa eu
não tinha de modo algum a presunção de esperar encontrar aí mais do que os outros;
e que, considerando como pode haver em filosofia opiniões diversas sobre um
mesmo assunto sustentadas por pessoas doutas, sem que possa nunca existir a
respeito mais de uma que seja verdadeira, reputava quase como falso tudo o que
não passava de verossímil. Depois, quanto às outras ciências, na medida em que
tomam seus princípios da filosofia, julgava
que nada se podia construir de
sólido sobre fundamentos tão pouco firmes. E nem a honra nem o
ganho que prometem eram
suficientes para me instigar a aprendê-las, pois de modo algum me sentia,
graças a Deus, em situação que me obrigasse a fazer da ciência um ofício para o
alívio da minha sorte; e ainda que não fizesse profissão de desprezar cinicamente
a glória, dava no entanto muito pouca importância àquela que não poderia de
modo algum pensar em alcançar senão indevidamente. E, enfim, pensava já
conhecer bastante o que valem as más doutrinas para não estar mais sujeito a me
enganar nem com as promessas de um alquimista nem com as previsões de um astrólogo
ou as imposturas de um mágico, com os artifícios e bazófia de nenhum desses que
fazem profissão de saber mais do que sabem. Foi por isso que, tão logo a idade
me permitiu escapar à tutela dos meus preceptores, abandonei inteiramente o
estudo das letras. E decidido a não buscar mais outra ciência senão a que
poderia encontrar em mim mesmo ou então no grande livro do mundo, aproveitei o
resto da minha juventude para viajar, ver cortes e exércitos, frequentar
pessoas de diversos humores e condições, recolher diversas experiências, testar
a mim mesmo nos desafios que o destino me propunha e fazer sempre reflexão tal
sobre as coisas que se apresentavam de modo a poder tirar delas algum proveito.
Pois me parecia que poderia encontrar muito mais verdade nos raciocínios que
cada um faz sobre os assuntos que lhe importam e cujo resultado deve lhe trazer
logo punição se julgou mal do que naqueles que faz um homem de letras no seu
gabinete; em especulações que não produzem qualquer efeito e não têm outra
consequência senão, talvez, que delas tirará tanto mais vaidade quanto mais afastadas
do senso comum, por ter tido que empregar tanto mais espírito e artifício para
torná-las verossímeis. E tive sempre um enorme desejo de saber distinguir o
verdadeiro do falso, para ter clareza nas minhas ações e avançar com segurança
nesta vida.
DISCURSO DO MÉTODO - As regras do método
O texto em que Descartes formula
suas regras do método científico, que constituem o centro de sua concepção de
ciência, frequentemente causa espanto em quem o lê pela primeira vez, devido ao
pequeno número de regras e à sua simplicidade; é este, no entanto, precisamente
o objetivo de Descartes. No lugar das regras complexas e intrincadas do método
dedutivo aristotélico, da teoria do silogismo — tão discutida na escolástica
medieval e motivo de tantas controvérsias —, Descartes prefere as quatro regras
simples que formula aqui, mas exige que sejam efetivamente seguidas à risca.
Seu argumento é que o método aristotélico, devido a seu formalismo, não evitou
que as teorias falsas da Antiguidade, como a concepção geocêntrica de universo,
fossem apresentadas como válidas, através da formulação lógica que receberam. As
quatro regras do método consistem na regra da evidência, que deve garantir a
validade de nossos pontos de partida no processo de investigação científica; a
regra da análise, que indica que um problema a ser resolvido deve ser decomposto
em suas partes constituintes mais simples; a regra da síntese, que sustenta que
uma vez realizada a análise devemos ser capazes de reconstituir aquilo que
dividimos, revelando assim um real conhecimento do objeto investigado; e a
regra da verificação, que alerta para a necessidade de termos certeza que
efetivamente realizamos todos os procedimentos devidos. Estava então na
Alemanha, para onde me haviam chamado as guerras que ainda ali não terminaram,
e, quando voltava da coroação do Imperador para o exército, o começo do inverno
me deteve num lugar onde, não achando conversa que me divertisse e além disso
não tendo, felizmente, cuidados ou paixões que me perturbassem, ficava o dia
inteiro trancado sozinho num quarto com estufa, onde tinha todo o tempo para me
entreter com meus pensamentos. Entre os quais um dos primeiros que me ocorreu
foi considerar que muitas vezes não há tanta perfeição nas obras compostas de
várias peças e feitas pelas mãos de diversos mestres quanto naquelas em que
apenas um trabalhou. Assim, vemos que as construções iniciadas e concluídas por
um único arquiteto costumam ser mais belas e bem ordenadas que aquelas que
muitos trataram de reformar aproveitando velhas paredes construídas para outros
fins. […] Mas, como um homem que caminha sozinho e nas trevas, decidi avançar
tão lentamente e ser tão circunspecto em tudo que, se
progredia muito pouco, evitava pelo menos cair. Não quis sequer começar rejeitando completamente
qualquer das opiniões que se infiltraram outrora em minha crença sem terem sido
aí introduzidas pela razão antes de empregar bastante tempo no projeto da obra
que empreendia e na busca do verdadeiro método para chegar ao conhecimento de
todas as coisas de que o meu espírito fosse capaz. […] E como a multiplicidade
de leis fornece muitas vezes desculpas aos vícios, de modo que um Estado é bem
mais regrado se, tendo bem poucas, elas são estritamente observadas, assim eu julguei
que, em vez do grande número de preceitos de que se compõe a lógica, me
bastariam os quatro seguintes, contanto que tomasse a firme e constante resolução
de não deixar de observá-los uma vez sequer. O primeiro era não tomar jamais
coisa alguma por verdadeira a não ser que a conhecesse evidentemente como tal:
quer dizer, evitar cautelosamente a precipitação e a prevenção; e só incluir em
meus juízos o que se me apresentasse ao espírito de modo tão claro e nítido que
não tivesse como colocá-lo em dúvida.O segundo, dividir cada dificuldade que
examinasse em tantas parcelas quantas possíveis enecessárias para melhor
resolvê-las. O terceiro, conduzir meus pensamentos de forma ordenada, começando
pelos objetos maissimples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco,
como por degraus, até o conhecimento dos mais complexos; e supondo mesmo uma
ordem entre aqueles que de modo algum precedem naturalmente uns aos outros. E o
último, fazer sempre levantamentos tão completos e inspeções tão gerais que
tivesse a certeza de nada omitir. Essas longas cadeias de raciocínios, bem
simples e fáceis, de que os geômetras costumam se servir para chegar às mais
difíceis demonstrações, deram-me a oportunidade de imaginar que todas as coisas
que podem cair sob o conhecimento dos homens seguem-se umas às outras da mesma maneira
e que, contanto apenas que se evite tomar por verdadeira alguma que não o seja
e que se respeite sempre a ordem exigida para deduzir umas das outras, não pode
haver nenhuma tão distante que por fim não se alcance nem tão oculta que não se
descubra.
DISCURSO DO MÉTODO
A moral provisória - A obra
filosófica de Descartes é quase toda ela dedicada à discussão da questão do conhecimento
e da possibilidade de fundamentação da ciência. Os demais problemas dependeriam
para o seu tratamento de uma solução dessas questões iniciais, que garantiriam assim
a validade do método e tornariam essas teorias bem fundamentadas. A questão da moral
— a necessidade de termos regras e parâmetros para nossa decisão correta sobre
o que fazer, sobre o certo e o errado — não pode, no entanto, permanecer em
suspenso até que o problema do conhecimento seja resolvido. Descartes apresenta
então regras de uma moral provisória, que devemos adotar até que uma verdadeira
ciência da moral, baseada na investigação da natureza humana, seja
desenvolvida. E enfim, como não basta, antes de começar a reconstruir a casa
onde se mora, fazê-la demolir ou se ocupar a própria pessoa da arquitetura,
além de ter cuidadosamente traçado o projeto, mas é preciso também arranjar
outra onde comodamente se alojar enquanto durarem os trabalhos, assim eu, para
não ficar em absoluto hesitante nas minhas ações enquanto a razão me obrigasse
a sê-lo nos meus juízos e para não deixar de viver desde então do modo mais
feliz possível, criei para mim uma moral provisória, consistindo somente de
três ou quatro máximas, que gostaria de vos expor. A primeira era obedecer às
leis e costumes do meu país, respeitando sempre a religião na qual Deus me deu
a graça de ser educado desde a infância e me conduzindo em todas as outras
coisas segundo as opiniões mais moderadas e mais afastadas do excesso que
fossem comumente aceitas na prática pelos mais sensatos dentre aqueles com quem
teria que viver. Pois, começando desde então por não considerar minhas próprias
opiniões como coisa alguma, pois queria recolocá-las todas em questão, estava
seguro de não poder seguir outras melhores que as dos mais sensatos. E ainda
que haja talvez gente tão sensata entre os persas ou chineses como entre nós,
parecia-me que o mais útil era me comportar segundo aqueles com os quais teria
que viver; e que, para saber quais eram verdadeiramente suas opiniões, eu
deveria antes prestar atenção no que praticavam do que no que diziam; não
apenas porque, com a corrupção dos nossos costumes, haja pouca gente disposta a
dizer tudo aquilo em que acredita, mas também porque vários inclusive o
ignoram; pois como a ação do pensamento pela qual se acredita numa coisa é
diferente daquela pela qual se sabe que se acredita nessa coisa, uma existe com
frequência sem a outra. E entre várias opiniões igualmente aceitas eu só
escolhia as mais moderadas; tanto porque são sempre as mais cômodas na prática
e possivelmente as melhores, costumando todo excesso ser ruim, como também para
me desviarmenos do verdadeiro caminho, caso falhasse, do que se, escolhendo um
dos extremos, devesse ter seguido o outro. E, particularmente, colocava entre
os excessos todas as promessas pelas quais se cerceia a liberdade de alguma
coisa. Não que desaprovasse as leis que para remediar a inconstância dos
espíritos fracos permitem, quando se tem um bom propósito ou mesmo, para garantia
do comércio, um propósito apenas indiferente, que se façam votos ou contratos
que obrigam a perseverar nele; mas por não ver no mundo coisa alguma que
permanecesse sempre no mesmo estado e, no meu caso particular, prometer
aperfeiçoar cada vez mais meus juízos e não em absoluto piorá-los, pensaria
estar cometendo uma grande falta contra o bom senso se, pelo fato de antes
aprovar alguma coisa, fosse obrigado a tomá-la como boa mesmo depois que talvez
tivesse deixado de sê-lo ou quando não mais a considerasse assim. Minha segunda
máxima era a de ser o mais firme e o mais decidido possível em minhas ações e de
seguir as opiniões as mais duvidosas, uma vez me tivesse resolvido por elas,
com a mesma constância que o faria se fossem muito seguras, imitando nisso os viajantes
que, vendo-se perdidos numa floresta, não devem ficar dando voltas, a errar de
um lado para o outro, e muito menos parar num lugar, mas caminhar sempre o mais
reto possível numa mesma direção e não mudá-la de modo algum por motivos
frágeis, mesmo que talvez de início apenas o acaso os tenha levado a escolhê- la:
porque assim, se não vão exatamente aonde desejam, chegarão pelo menos afinal a
algum lugar onde provavelmente estarão melhor que no meio de uma floresta. De
forma que, não aceitando comumente as ações da vida nenhuma demora, é verdade
bem certa que, se não estiver em nosso poder discernir as opiniões mais
verdadeiras, devemos seguir as mais prováveis; e mesmo, ainda que não notemos
mais probabilidade numas do que noutras, devemos contudo nos decidir por algumas
e considerá-las depois não mais como duvidosas, uma vez que dizem respeito à
prática, mas como muito verdadeiras e certas, pois assim se considera a razão
que nos fez optar por elas. E isso foi desde então capaz de me livrar de todos
os remorsos e arrependimentos que costumam agitar as consciências desses
espíritos fracos e vacilantes que se deixam levar com inconstância a praticar,
como boas, coisas que julgam mais tarde serem más. Minha terceira máxima era
tratar sempre de vencer a mim mesmo e não ao destino, mudando antes meus
desejos que a ordem do mundo, e no geral me acostumar a crer que nada está inteiramente
em nosso poder além dos nossos pensamentos; de modo que depois de ter dado o melhor
de nós em coisas que nos são exteriores, tudo o que deixamos de conseguir é, no
que nos diz respeito, absolutamente impossível. E isso já me parecia suficiente
para impedir que desejasse no futuro nada que não conseguisse e para ficar
dessa forma contente. Pois não se aplicando naturalmente nossa vontade a
desejar senão as coisas que nosso entendimento lhe apresenta de alguma forma
como possíveis, é certo que, se consideramos todos os bens exteriores a nós
como igualmente distantes do nosso poder, não lamentaremos a falta daqueles que
parecem devidos ao nosso nascimento, quando formos privados deles sem culpa nossa,
mais do que lamentamos não possuir os reinos da China ou do México; e fazendo
da necessidade virtude, como se diz, não desejaremos ter saúde estando doentes
ou ser livres estando presos, mais do que desejamos atualmente ter corpos de
uma matéria tão pouco corruptível quanto o diamante ou asas para voar como os
pássaros. Mas admito que é necessário um longo exercício e uma meditação
persistente para se acostumar a encarar todas as coisas sob esse ângulo; e creio
que era principalmente nisso que consistia o segredo desses filósofos que
puderam outrora abstrair-se do império da fortuna e, apesar das dores e da
pobreza, disputar felicidade aos seus deuses. Pois, ocupando-se incessantemente
em considerar os limites que lhes eram prescritos pela natureza, persuadiam-se
de modo tão perfeito que nada estava em seu poder além dos próprios pensamentos
que só isso era suficiente para impedi-los de ter qualquer afeição por outras
coisas; e dispunham deles de forma tão absoluta que tinham nisso alguma razão
de se considerar mais ricos, mais poderosos, mais livres e mais felizes que
quaisquer dos outros homens que, não tendo essa filosofia, por mais favorecidos
que sejam pela natureza e a fortuna, jamais dispõem assim de tudo o que querem.
Por fim, para conclusão dessa moral, decidi fazer um exame das diversas
ocupações que têm os homens nesta vida e tentar escolher a melhor; e sem
pretender dizer nada das ocupações dos outros, pensei que não podia fazer
melhor que continuar naquela mesma em que estava, isto é, empregar toda a minha
vida a cultivar a razão e avançar o máximo que pudesse no conhecimento da
verdade, seguindo o método que me havia prescrito.